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7 de fev. de 2023

RAQUEL PEREIRA É ATEMPORAL

 Mais um trabalho universitário sobre a Professora Raquel Pereira:

 

“UMA HISTÓRIA DE VIDA DEDICADA À EDUCAÇÃO: Trajetória da Profa. Rachel Pereira de Andrade (1932-1965)”.

TCC – TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO (LICENCIATURA EM HISTÓRIA)

DISCENTE: LAURA CAROLLINE FERNANDES – UNEB CAMPUS VI

1.      JUSTIFICATIVA DA PESQUISA / OBJETO DE PESQUISA

Foi a partir do conhecimento obtido no Arquivo Público Municipal de Caetité – APMC através de uma Monitoria de Extensão que me surgiu o interesse pela História Social, para o tema educação e a formação de professoras, interesse que também parte das experiências, observações e aprendizado que vivenciei, e ainda adquiro, dentro da Universidade Pública e fora dela, através das escolas e do contato que mantenho com professoras/es da Universidade e do Ensino Básico.

Desse modo, estando dentro do campo da História Social e tornando visível a história de mulheres humildes e negras, esta pesquisa está comprometida em narrar a vida de uma figura feminina que ultrapassou os mais variados preconceitos e mazelas da Escravidão para se tornar uma professora primária. Portanto, este trabalho tem como objeto de análise as mulheres negras na Educação, para evidenciar suas presenças na Escola Normal de Caetité, a partir da trajetória da Profa. Rachel Pereira de Andrade.

2.      RACHEL PEREIRA DE ANDRADE

Rachel Pereira de Andrade nasceu no dia 30 de Janeiro de 1916, no interior da Bahia, na cidade de Guanambi, especificamente, na Fazenda Pintada, de José Antônio Tanajura, vizinha da Fazenda Cajueiro de Policarpo Ribeiro. Depois se mudou para a Fazenda Vazante, localizada próximo da Vila Gentio, atual distrito de Ceraíma. Negra e bem humilde, foi adotada aos quatro anos de idade e mudou-se para Caetité, local onde se tornou professora primária em 1932 na Escola Normal. Tornou-se a primeira professora primária de Tanque Novo e se destacou por sua dedicação a educação. 

       O objetivo central deste trabalho foi investigar a vida profissional da primeira professora primária de Tanque Novo-Bahia, Rachel Pereira de Andrade (1932-1965), do período em que se formou até a última turma que lecionou na intenção de dar visibilidade à memória de uma professora negra e humilde, proveniente do Alto Sertão da Bahia. Analisa ainda, mulheres negras na Educação, especialmente, as professoras primárias que estudaram na Escola Normal de Caetité, no período de 1926-1936. As fontes de pesquisa foram publicações do Jornal A Penna sobre a Escola Normal de Caetité e o Blog, feito em homenagem à Profa. Rachel por seus filhos e netos. A metodologia foi a leitura, seleção e análise das matérias do Jornal A Penna sobre a Escola Normal de Caetité, além da análise dos Quadros de Formação comparando com documentos do Blog e o uso da fonte oral, por meio de entrevistas. Na análise de fontes, a pesquisa buscou evidenciar sua trajetória profissional e as mazelas sofridas por ser mulher e negra numa sociedade exclusivamente, patriarcal e preconceituosa, além de mencionar sobre o processo de feminização, racismo e a inclusão da mulher negra na educação. Portanto, as fontes mostraram que a Escola Normal de Caetité não tinha muitas negras estudando no período de 1926-1936, que o maior desafio da vida profissional de Rachel era ser negra e pobre, porém, não impediu que se tornasse uma educadora de inspiração da região, caracterizando sua história como renovadora dentro do campo dos estudos feministas.

CAPITULO 1.  A PRESENÇA DE MULHERES NEGRAS NA ESCOLA NORMAL

      Discorre sobre a feminização do magistério, a partir da instalação da Escola Normal de Caetité e faz relação com a questão racial, aspecto determinante para a inserção das mulheres negras nas escolas. Por isso, ressalta o apagamento das mulheres negras nesses locais de educação e menciona a importância da trajetória de Rachel como mulher e professora negra da região para o enfrentamento de questões ligadas ao gênero, classe e raça.

É dividido em três tópicos:

      1.1 Perspectivas de Formação na Escola Normal

      1.2 Feminismo negro e a atuação de Rachel Andrade no magistério

      1.3 Questões étnico-raciais vividas por Rachel Andrade

1.1  PERSPECTIVAS DE FORMAÇÃO NA ESCOLA NORMAL – A garantia da educação para as Mulheres.

A partir da Independência do Brasil, o ensino se tornou público e gratuito, inclusive para as mulheres. Possibilitando a partir da primeira lei do ensino ou de instrução pública (1827), chamada por Louro (2004) como o ensino das “pedagogias”, a admissão de meninas para as escolas primárias, mesmo através de conteúdos diferentes dos meninos, como uma maneira de instruí-las e conduzi-las na sociedade. Houve, assim, a necessidade maior de formação de professoras para serem tutoras dessa nova geração de meninas, até porque, os tutores/professores deveriam ser do mesmo sexo que os alunos.

E que escolas primárias foram essas? Foram as Escolas Normais, que apesar das dificuldades em “fixar raízes”, foram as únicas instituições que poderiam qualificá-las e permitir os avanços nos estudos. Foi por esse motivo, que a partir da segunda década do século XX, as mulheres passaram a adotar o magistério como profissão, principalmente, aquelas de classe média e de precárias condições financeiras e também houve a transformação de um ensino de participação, que antes era absolutamente masculino, no início de sua implantação, para um processo de feminização, como aconteceu com a Escola Normal de Caetité, que se tornaram locais com predomínio da presença de mulheres.

As mulheres vinham desde o século XIX sendo oprimidas pelos seus pais, maridos e senhores, não possuíam acesso à educação e não tinham sua independência própria, em vista da falta de oportunidades de trabalho, ou seja, sem cidadania. A mulher não tinha o direito de trabalhar fora do lar, não poderia se tornar independente tendo a sua própria conta bancária. Até mesmo a Igreja reforçava seu estado de menoridade e dependência diante do seu pai ou marido, consequências de um sistema patriarcal fortemente resistente.

Esse cenário começa a se transformar com o início das lutas pela democratização da sociedade brasileira no século XX, com a persistência do acesso à educação e ao voto, por exemplo. Todo esse contexto onde se encontravam, levou as mulheres a criticarem como a sociedade dava aos homens mais direitos do que obrigações, enquanto, suas obrigações eram maiores do que seus direitos. Com isso, as Escolas Normais, que se expandiram a partir de 1860, deram a possibilidade das mulheres conseguirem uma profissão. 

Como única opção profissional, a inserção da mulher no magistério provocou o aumento de matrículas nas Escolas Normais do interior, à medida que as mulheres passaram a substituir os homens para que ocorresse a adequação à legislação. E que Lúcia Ribeiro Pereira (1994) menciona que o “fazer feminino” não é dado naturalmente, mas é um fazer historicamente construído a partir da definição de papéis e funções sociais colocadas para homens e mulheres. Não tanto como um projeto profissional que exige estudo, competência e pesquisa, mas porque é uma profissão adequada para a mulher e sendo possível atrela-la aos seus outros papéis sociais, de ser mãe e esposa. Dessa forma, as mulheres constituíram-se maioria nas Escolas Normais e expandiram sua mão de obra para as escolas e demais locais educacionais, impulsionadas também pelos valores culturais, aspecto que evidencia a feminização do magistério. O magistério era a oportunidade de adentrar o espaço público e a valorização moral do trabalho, dando a visibilidade merecida às mulheres, que deveria ser independente da sua etnia ou classe.

1.2   Feminismo negro e a atuação de Rachel Andrade no magistério

 

Percebe-se que o magistério se torna uma profissão almejada pelos pais para suas filhas, apesar da desvalorização salarial, se torna uma opção diante das poucas existentes de trabalho, ainda mais, para aquelas de baixa renda e negras que, de acordo com Almeida (2006), a presença de mulheres de classe baixa vai gerar um processo de desvalorização da profissão e, consequentemente, uma redução de salário. Além de outro motivo como Faria ressalta:

“Vale salientar que também houve um objetivo político na ampliação da participação feminina no magistério: as mulheres ganhavam menos e, para que se pudesse expandir o ensino para todos, era preciso que o governo gastasse menos com os professores. Os homens não aceitariam um salário menor; então era necessário que a mulher assumisse esse posto, principalmente por sua suposta “vocação natural” e/ou “dom” para essa profissão.” (FARIA, 2016, p.46).

Uma profissão que adquiriu o prestigio social das jovens, diante de uma oportunidade digna de trabalho, mesmo sendo atrelada à maternidade e ao trabalho doméstico, porém, ainda era controlada pelos homens da sociedade. Perspectiva (bastante real na vida de Rachel) essa vivida por Rachel Andrade, negra, mas que encontrou a possibilidade de se tornar professora na Escola Normal de Caetité, que esteve sempre dividindo suas atividades entre a função de ensinar, cuidar dos filhos e da casa, além de que teve que lidar com o controle constante do magistério pelos homens da região e do governo, pois, suas ordens não poderiam ser descumpridas.

Inclusive, é importante ressaltar que o direito à educação voltada para as mulheres, partia apenas do interesse masculino em disciplinar suas esposas, pois, geralmente, no início do século XX, as mulheres que tinham acesso ao estudo estavam aguardando o casamento, de classes privilegiadas, ou seja, essa oportunidade não se estendia às mulheres do povo e, principalmente, para as negras. Pois o trabalho para a sobrevivência sempre foi a prioridade diante da dura realidade que vivenciavam na sociedade e que o acesso à instrução nunca existiu, realidade que perpassa a questão racial, consequências das mazelas da Escravidão, assim como a Profa. Rachel sofreu.

Inclusive, Louro (2004) ressalta que havia a negação do acesso ao ensino de crianças negras por conta dos laços com a escravidão e que, na realidade, essas crianças eram “educadas” de forma violenta por meio do trabalho e da luta pela sobrevivência. É um quesito que vai se tornando mais flexível através das leis, não de maneira imediata, mas aproxima as escolas das crianças negras e da sua aceitação em classes isoladas, a partir do final do século XX.

Por isso, o percurso feito pelas mulheres negras para o acesso à educação foi ainda mais difícil do que a das mulheres brancas e de classe média ou alta. Assentadas à margem da sociedade, a mulher já esteve incluída no grupo de subalternos, sendo negra então, essa lacuna se expande ainda mais dentro do convívio social marcado por discriminações e artifícios de exclusão dessa população negra de aspectos sociais, como o ensino.

 O processo de feminização do magistério também deve ser lembrado que foi construído a partir da resistência das mulheres e do acesso às Escolas Normais, principalmente, de mulheres negras e provenientes da classe baixa. Rachel Andrade, figura feminina estudada nesta pesquisa, conseguiu escrever uma história de sucesso devido às condições encontradas como filha adotiva, morando numa cidade onde existia uma Escola Normal. E essa oportunidade foi muito bem aproveitada e administrada por ela.

A persistência das mulheres, como a de Rachel Pereira de Andrade, para serem inseridas no âmbito educacional trouxeram transformações na sociedade, que diante do aumento qualitativo de sua presença em locais de instrução, pode-se perceber que houve rupturas de paradigmas dentro e fora das Escolas Normais, principalmente, ligados à questão racial.

Pode-se mencionar que o fato da Profa. Rachel Andrade, como negra e de classe baixa, ter tido a oportunidade de estudar na Escola Normal de Caetité nesses tempos árduos em que foram descritos, só evidencia sua capacidade de resistência e de força mediante os preconceitos sofridos antes, durante e depois da sua formação. E traz à tona que, na Escola Normal de Caetité, houve a instrução e acesso à educação para mulheres negras, ainda que em proporção muito pequena, o que tornou possível a Rachel Pereira de Andrade formar-se como a única professora primária negra da turma de 1932.

1.3  Questões étnico-raciais vividas por Rachel Andrade

É notório através disso, que a Escola Normal não seria apenas um local de mulheres brancas, de classe alta e que os maridos as incluíram, em busca da companheira completa para o lar, apesar de serem construídas nesses parâmetros. Mas, ao contrário, as Escolas Normais passaram a representar o espaço para desconstrução de paradigmas históricos acerca da imagem da mulher, inclusive, do preconceito racial sofrido pelas mulheres negras e nos espaços ocupados na sociedade.

Então, as Escolas Normais desde as fases iniciais de instalação, permitiram que questões silenciadas na época, tivessem abertura, possibilitando que houvesse o protagonismo de mulheres através do magistério, como aconteceu com Rachel, que nunca esteve inserida nos parâmetros descritos e aceitos na sociedade da época, com a aceitação dos negros/as apenas no mundo do trabalho, devido às condições sócios históricas, onde negras/os escravas/os não eram reconhecidos como sujeitos com o direito de acesso às escolas e, assim, como não podiam frequentar, também não podiam se tornar professoras/es nas Escolas Normais.

Mas, apesar das suas poucas condições de acesso aos materiais de estudo e das marcas do apagamento de mulheres negras na Escola Normal de Caetité, Rachel é exceção nesse aspecto e, que como menciona Cruz, Santos, Nogueira e Nogueira (2021), as exceções permitem pensar que existir como corpo negro, e, mais especificamente, como mulher negra, estudante da Escola Normal, significava resistir às imposições classistas e racistas que exploravam a população negra à época. É pertinente dizer que, a Escola Normal de Caetité conseguiu romper, de forma branda, mas conseguiu, com esse apagamento das mulheres negras da estrutura social que persistia no Alto Sertão da Bahia, evitando também assim, a propagação do racismo.

 

Até porque, não só as categorias de classe e gênero diversificam os locais de cada sujeito, mas que a raça é um fator primordial, que além de diferenciar os sujeitos, também hierarquiza. E mesmo Rachel sendo declarada como “mestiça” em seus documentos pessoais em 1934, sua condição social não mudou, não deixou de ser pobre e de sofrer com as mazelas da escravidão. Pode-se afirmar que o objetivo em declarar Rachel como “mestiça” esteja ligado com o intuito de abranger uma igualdade racial (que não existia) nesse período de 1934, quando a Profa. Rachel retirou seus documentos de identificação, trazendo à tona, discursos baseados na concepção de que “aqui ninguém é branco” e configurando expressões de insulto aos negros.

Inclusive na entrevista realizada, Joana comenta que Rachel não sofreu discriminações raciais explícitas na sociedade e nem durante o período que estudou na Escola Normal de Caetité, apenas quando ia se casar com Arlindo, homem branco, evidenciando que o preconceito partiu primeiramente da sua família, mas na verdade, pode-se ressaltar que a pessoa entrevistada, talvez não percebesse as discriminações sofridas por Rachel na sociedade.

É importante ressaltar que o combate ao racismo deve ser prioridade política, primeiramente, das mulheres negras. E lembrando-se do combate ao racismo em instituições como a Escola Normal de Caetité, onde a maioria que tinha acesso era branca e também, dentro das famílias, onde a luta deve se configurar num movimento antirracista.  Diante disso, é necessário reconhecer que a dificuldade de inserção no ensino que perpassa a vida de diversas mulheres, principalmente negras, tornou-se mais do que um motivo suficiente para que a Profa. Rachel rompesse com as barreiras da mobilidade social que persistia na região e na sociedade como um todo nesse período abordado, aliás, se constituiu como uma meta diária da sua vida e, desse modo, um estudo renovador para o feminismo negro.

CAPITULO 2 - “RACHEL PEREIRA DE ANDRADE: UMA VIDA DEDICADA À EDUCAÇÃO”.

      Discute a inclusão do blog como uma fonte histórica de valor primordial, evidenciando seu caráter de armazenar informações, como documentos e se tornar um aliado na disseminação da informação, consequentemente, da memória na Internet. Há ainda a análise da estrutura, construção e objetivo do blog feito para homenagear a Professora Rachel Pereira de Andrade, que através de documentos, possibilitou conhecer e narrar sua história de vida, experiências e memória nesta pesquisa.

    E também é dividido em três tópicos:

      2.1 A importância do Blog como Fonte Histórica;

      2.2 A Representação da Mulher Negra na Educação: A Memória da Profa. Rachel Andrade;

      2.3. Rachel além da sala de aula: seus papéis sociais

2.1 A IMPORTÂNCIA DO BLOG COMO FONTE HISTÓRICA

O recurso utilizado para recuperação de fontes de informação com o intuito de abranger a trajetória da Professora Rachel Pereira de Andrade e preencher lacunas sobre sua vida profissional e sua estadia na Escola Normal de Caetité, foi o blog feito em sua homenagem por seus filhos e netos, tem como título, o nome antigo e o atual da Professora Rachel “Rachel Pereira de Andrade: Raquel Pereira Carneiro” e conta em sua estrutura simples com diversos elementos, documentos e publicações feitas desde o ano de 2008, ano da sua morte, até o ano de 2020. O blog destinado à história da Professora Rachel Andrade é considerado fonte de informação, pois as informações encontradas e analisadas nas suas publicações se tornam documentos por transmitirem um valor informativo e por possuírem conhecimento sobre a sua vida e sua história.  Criado e administrado por seu filho Aparecido Carneiro Pereira, com o intuito de utilizar da Plataforma da Web para homenageá-la, como professora, mãe e esposa de muita admiração, o blog é considerado como uma fonte, um repositório da memória de sua vida e de sua história, sendo parte do processo da construção de sua memória e de sua valorização.

2.2 A REPRESENTAÇÃO DA MULHER NEGRA NA EDUCAÇÃO: A MEMÓRIA DA PROFA. RACHEL ANDRADE

Rachel Pereira de Andrade é o objeto de pesquisa desse trabalho por ter feito parte das normalistas que se formaram durante os anos de 1926-1936 na Escola Normal de Caetité, por ser guanambiense, negra e pela trajetória profissional que construiu durante seus 32 anos de magistério na região. A Escola Normal de Caetité tornou-se uma instituição de ensino que simbolizava para várias meninas, vindas de várias regiões da Bahia, como de Guanambi, humildes e sem nenhuma perspectiva de futuro, além do matrimônio, a conquista do direito de estudar e a possibilidade de garantia de um futuro, inclusive para meninas negras, como Rachel Andrade.

Rachel, filha de Renato Pereira de Andrade e Leonor Fagundes Cotrim, nasceu no dia 30 de janeiro de 1916 na Fazenda Pintada, no município de Guanambi-Bahia. E teve quatro irmãos, Manoel Pereira de Andrade, Maria da Conceição Pereira, João Pereira Sobrinho e Geraldo Pereira de Andrade. Seus avós paternos eram Manoel Andrade (Rio Branco de Bom Jesus da Lapa) e Raquel Pereira (Guanambi) e seus avós maternos eram Manoel Fagundes Cotrim (Caetité) e Serafina Pinheiro de Canguçu (Brumado). Com apenas quatro anos de idade foi morar em Caetité-Bahia, local aonde chegou em 1921, após ser adotada por Silvéria Maria de Jesus Fagundes, sua tia, trazida por José, seu filho, para lhe fazer companhia. Por esse motivo, teve a oportunidade de poder estudar na Escola Normal de Caetité quando cresceu:

Ela veio acompanhada da senhora que a criou, que é tia materna, que era uma viúva em Caetité e só tinha um filho, por nome Silvéria Maria de Jesus Fagundes; tinha um filho José que foi para São Paulo e não voltou, mas Rachel ainda o conheceu. Foi ele quem foi procurar na casa da minha avó, Rachel resolveu ir, pequena, com quatro anos, por ela mesma. Minha avó foi chamar outra menina, que já era maior e ajudava a mãe, mas a mãe não mandou nenhuma. Assim, Rachel falou: eu quero ir ficar com titia Silvéria! Aí, a mãe falou que ela não ia ficar. José falou: Eu levo. Levou e ela se adaptou em Caetité. Minha avó e meu avô falaram: se ela não gostar, volta logo.”

·         SOBRE A ESCOLHA PROFISSIONAL:

Rachel, com apenas cinco anos, já sabia ler e era uma criança de muita iniciativa. Na entrevista realizada com Joana, ela comenta que Rachel sempre falava desde nova, que queria ser professora, pois gostava de ensinar crianças, explicar aos seus colegas e que, naquele tempo, também era difícil seguir outra profissão:

“Com Chica e Naninha que ela aprendeu ler; com cinco anos já sabia. Morava perto da casa, pagava um tanto, escola particular, mas, em forma de um curso, não era, assim, declarado escola. Mas tinha muita paciência, aí, elas mesmo falaram: passa a menina pra outra escola, por que tem professoras. Tinha Dona Celina que era formada, Maria Celina Rodrigues Lima. Depois na outra série, 2º e 3º série, naquele tempo, já passava pra Dona Beatriz, 4º e 5º ano para Dona Mariquinha, Maria Neves Lobão, que tem até um prédio em Caetité, um grupo escolar, com esse nome”.

·         SOBRE A ESCOLA NORMAL:

Sobre as dificuldades de inserção nos estudos, comenta que era difícil entrar na Escola Normal naquele tempo, mas que não havia distinção entre os candidatos. E Rachel sem muitas condições financeiras, seus familiares ajudavam como podiam, por isso, teve a ajuda de professores e colegas para sua formação. Teve uma rede de apoio de vários professores, como Helena Lima, Carmem Spínola Teixeira e o Professor Alfredo José da Silva, além da ajuda de colegas, principalmente, de Agnalda Públio de Castro, filha de Durval Públio de Castro. Mas, além de Agnalda, teve como colegas Nunilla da S. Ivo e Dalva M. S. Lima. Durante o período que esteve estudando na Escola Normal de Caetité, se dedicou ativamente aos estudos, apesar de não ter livros, ultrapassou dificuldades até a sua colação de grau, dependeu da Caixa Escolar e da ajuda de sua madrinha para continuar estudando na Escola Normal e da proteção dos professores.

·         COLEGAS DE RACHEL E NEGROS NA ESCOLA NORMAL

Joana conta sobre seus colegas, dizendo que Rachel tinha colegas morenos, sendo Rachel mais “morenada”, como ela descreve, mas com traços marcantes de negro, como seu cabelo, que era bem crespo. E ressalta que ela conhecia poucos negros na Escola. Ela mencionou apenas, quatro.

Rachel foi muito querida em Caetité pelos colegas, professores e pessoas conhecidas. Ela era muito inteligente e admirada por todos. Por isso, sempre foi reconhecida pela sua educação e seu jeito alegre de ser, além de muito esforçada. Mesmo com dificuldades nos estudos e pela falta de materiais didáticos, nunca tentou desistir de se tornar professora e através dos documentos, pode-se perceber que aproveitou todas as “brechas” de trabalho que teve para exercer sua profissão.

·         O ESTÁGIO REMUNERADO (1931) E SUA FORMAÇÃO NA ESCOLA NORMAL DE CAETITÉ EM 1932:

Em Caetité, além de estudar na Escola Normal, por conta da sua dedicação e esforço, antes mesmo de se formar, nas férias de 1931, teve um estágio remunerado na comunidade de Juazeiro, durante três meses, ficando hospedada na residência do Senhor Antônio Tintino e Dona Teresa. Rachel ensinou para crianças e adultos nessa localidade,  através de estágio remunerado, que ela gostou bastante, de acordo com Joana (nome fictício):

“No ano de 1931, dezembro, nas férias, ela foi ensinar numa propriedade chamada Juazeiro. Era quase uma comunidade assim, tinha muitas casas, mas não eram todas juntas. E foi o senhor Tintino que a contratou. Eles eram bons, muito bons mesmo para Rachel. Ele, o Senhor Tintino e a Dona Teresa, esposa, os filhos também. Ela lecionava pela manhã e à tarde. Colocava as crianças pela manhã. Os adultos ficavam mais pra tarde, para trabalharem na roça. Levantavam bem cedo e iam pra roça. Depois do meio-dia, iam para a escola. Alfabetizou muita gente por lá. Ela gostou demais e disse que pra ela foi uma prática positiva, uma forma de estágio.”

Antes de completar seus 16 anos, Rachel formou-se na Escola Normal de Caetité, especificamente em sete de dezembro de 1932, sendo um dos registros mais importantes da sua história, o quadro da colação de grau feito pela Escola Normal e o seu diploma, documentos que validam a formação de Rachel Pereira de Andrade  e que se pode relacionar o princípio da sua trajetória profissional. Após ter recebido seu diploma, foi nomeada no concurso do Estado da Bahia, para trabalhar em Tanque Novo, município de Macaúbas-BA.

Já é sabido que as mulheres foram, desde aquele período, maioria nas Escolas Normais. E, em Caetité, através de documentos como esse acima, pode-se relacionar que um grande número de meninas se tornou professoras na região do Alto Sertão da Bahia. Havia a presença de homens cursando o magistério em Caetité, mas não podemos negar que as mulheres foram as grandes responsáveis pelo ensino nas escolas, e ainda assim, sofriam perseguições pela sociedade composta por “homens de poder”. No percurso profissional da Profa. Rachel, não foi diferente.

·         RACHEL ANDRADE, PROFESSORA NOMEADA PELO INTERVENTOR DA BAHIA, JURACY MAGALHÃES PARA LECIONAR EM TANQUE NOVO:

Ao chegar a Tanque Novo, um povoado na época, a condução da educação também era feita por homens e o local só contava com professores leigos.

A primeira sala de aula de Rachel foi cedida pelo Sr. Laudelino José da Silva (Dãozinho), na casa conhecida como República dos Viajantes. Joana menciona que ainda não existia o prédio escolar e que essa sala não possuía mobília, mas havia mesas e cadeiras. E como morava de aluguel, ela ia sempre mudando e trabalhando em salas, assim, em sua casa.

A primeira turma conduzida pela Profa. Rachel em 1933 teve logo de início a matricula de 30 alunos, na faixa etária de 7 a 16 anos. Mas, com o passar do tempo, houve o acúmulo de alunos na mesma sala, configurando como classes multisseriadas, onde a mesma quantidade de meninas estaria equivalente a de meninos, ou seja, eram turmas mistas.  E que além das matérias básicas de Gramática, Aritmética, História, Geografia, Ciências, ensinava também, artesanato e bordado, apesar de ter sido nomeada para reger nas escolas, a 3º classe.

Seu cotidiano escolar: No princípio, ensinava sozinha ou pedia ajuda ao professor particular. Porém, outra professora do Estado só chegou em 1957, ao povoado. Mas, mesmo sozinha, Rachel sabia a hora de brincar com os alunos/as e sentia segurança em receber os inspetores escolares, que ilustram mais uma vez qual era o gênero que predominava o poder que, naquele período, faziam visitas periódicas e sem aviso prévio, para a avaliação do ensino. Inclusive, termos de Inspeção e Procurações fizeram parte do seu cotidiano, como professora.

Joana relata ainda sobre os materiais didáticos que Rachel utilizava para ensinar e a sua ida para o Prédio Escolar de Tanque Novo em 1960:

“Vinha mapa-múndi, vários mapas, bandeiras, que o Estado fornecia. E também, havia as carteiras, que estavam bem melhores para funcionar... Nos anos 60, ela trabalhou no prédio. Meus irmãos caçulas não conheceram. Falavam Prédio Rural, mas era Escola Estadual, onde ela trabalhou.

Algumas professoras que chegavam, colocavam outros nomes, enfeitando a escola e eles não reclamavam. Porque a escola daqui era estadual, não tinha outra registrada, né? Rachel continuou sempre na Escola Estadual.” (JOANA, 2021).

Menciona que a Profa. Rachel sempre elogiava as professoras da Escola Estadual e se dava muito bem com todas, pois durante sua vida profissional teve contato com várias professoras do Estado e do município, que vinham trabalhar no povoado. Naquele período, ficavam duas professoras no turno matutino e duas no turno vespertino, pois a carga horária de trabalho era de 20 horas. Conta que Rachel não quis residir no novo prédio, nem as outras professoras que vieram, pois era afastado. Mas, próximo à sua aposentadoria, Rachel passou para o prédio, ordem de Inspetores de Macaúbas. Sendo o primeiro prédio construído no povoado, tinha uma sala grande, uma área em forma de uma sala para casa, dois banheiros e outra sala, como se fosse uma cozinha.

Raquel possuía uma rotina muito corrida e desde que chegou ao povoado, tinha empregadas em sua casa, principalmente, após ter filhos. Aliás, seus filhos não participavam das aulas. Só se fossem matriculados com ela. E Rachel sempre buscou o respeito e o zelo dos seus alunos. Sempre muito pontual, permanecia tardes corrigindo provas na escola e pela manhã cuidava da sua tia que adoeceu. Rachel aposentou-se em 1965. Mesmo assim, teve que trabalhar o ano todo, devido à espera do requerimento que ela tinha feito um tempo antes. Joana ressalta que na época de Rachel, havia poucos professores e este pode ter sido o motivo da demora de sair o seu afastamento das salas de aula.  A Profa. Rachel possuía uma memória muito boa. Como professora, nunca esqueceu os nomes dos seus alunos e sempre teve um ótimo relacionamento com eles, principalmente de respeito. Dedicou-se a ensinar as pessoas e também os seus filhos, desde a sala de aula, com os conteúdos até com outras atividades que ela exercia no seu dia a dia, sendo dona de casa, mãe e costureira.

2.3 Rachel além da sala de aula: seus papéis sociais

 

Em Tanque Novo, então, além de atuar como professora tornou-se também uma ótima dona de casa: fazia e ensinava fazer bolos, bordados, doces, em vista de que, sempre foi muito dedicada às atividades diárias que realizava também.

·         Esposa e mãe: Rachel casou-se em 1943, com Arlindo Alves Carneiro. Por isso, tornou-se esposa e mãe de oito filhos, a quem sempre dedicou muito esforço, orientando na educação e influenciando em atividades e trabalhos honestos para eles. De acordo com Joana, Rachel ensinava cada filha a costurar, cozinhar e vender doces nas festas religiosas e Arlindo tinha o costume de levar os meninos para a roça ou para o comércio, como a farmácia, que ele possuía. Mas, Rachel sempre exigia bastante respeito dos seus filhos.

·         Participação na área religiosa: Nesse contratempo, Rachel também participou das atividades religiosas do povoado, influenciando, por exemplo, na formação de corais, pois sabia tocar bandolim. Além disso, ministrava catecismo, ensinava hinos à mocidade e, como membro atuante do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, acabou sendo secretária do mesmo. Antes de ter filhos, essa participação era mais frequente na igreja. Mas, quando se casou, continuou auxiliando na ornamentação e trabalhou como secretária do Apostolado até a morte dos seus filhos, Zélia e Joaquim.

·         Emancipação de Rachel como mulher dentro do cenário político e social da sua época: A Profa. Rachel também participou ativamente, dos primeiros progressos de Tanque Novo – BA. Foi por meio de suas reivindicações que houve a criação do Posto de Correios e da Feira Livre, até porque, era Rachel que dirigia e fazia os pedidos, além de convencer a população de que era necessária essa intervenção. Rachel não gostava de comícios, mas fazia jus ao seu direito de voto na comunidade. Não tinha o costume de sutacar ninguém, na política, pois combinava com Arlindo dividir os votos, com intuito de evitar confusões no povoado. Por isso, tornou-se alvo de homenagens na cidade, pelo legado que deixou como mulher e professora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

- A investigação feita neste trabalho inclinou-se na tentativa de localizar a mulher negra para além de um ser social;

Obs: Até porque, de acordo com Dias (1992), são muitas as dificuldades que se apresentam para as que ousam se enveredar pelos estudos das mulheres em sociedade, trata-se de um terreno minado de incertezas, saturado de controvérsias movediças, pontuado de ambiguidades sutis que é preciso discernir, iluminar, documentar, mas que resistem a definições. Por isso, esta pesquisa tentou atribuir o feminino ao discurso e trouxe a Profa. Rachel como um sujeito de conhecimento sob o objeto de estudo que são as mulheres negras na educação.

- De acordo com as fontes, ficou evidente que:

1. Na Escola Normal de Caetité, não tinha muitas negras estudando no período de 1926-1936;

2. A análise da trajetória de vida de Rachel Andrade (1932-1965), da sua formação primária na Escola Normal de Caetité, de muito sacrifício, dedicação aos estudos e em relação a sua raça e classe social, caracterizam sua história como renovadora dentro do campo dos estudos feministas;

Obs: A figura de Rachel se torna evidente nesse ponto, pela maneira como capacitou muitos alunos com seu conhecimento e a posição política que adquiriu em Tanque Novo, por meio da sua representatividade como mulher, negra e professora, que confirma a sua potencialidade para além de um único papel social. Rachel se constituiu como inspiração de gerações e a esperança de transformação social como educadora da região.

3- Ser negra e pobre era o maior desafio em sua vida profissional;

Obs: A Profa. Rachel aprendeu a costurar e bordar e não mediu esforços para fazê-los quando precisava melhorar a renda ou quando o salário atrasava. E mesmo sendo professora, desempenhou outras atividades no povoado, fazia bolos, arrumava as noivas em sua casa e foi secretária na Igreja, ajudava a todos como podia e com muita serventia. É notório que a classe social se torna um aspecto determinante na sociedade patriarcal do período abordado, em meio às dificuldades financeiras, quase foi impedida de continuar os estudos na Escola Normal de Caetité e por força maior, sem a ajuda da madrinha ou sem a adoção da sua tia Silvéria, tivesse que trabalhar ao invés de estudar, como ocorre com a maioria da população pobre e negra. Foi uma mulher que se dedicou muito ao trabalho de professora, construiu sua trajetória com base no zelo dos seus alunos e pelo respeito que predominava entre eles, além de ter sido uma ótima mãe e filha, pois sempre cuidou da sua família.

4- Desconstrução do racismo e enegrecimento do feminismo: a necessidade que o negro reconheça seu espaço.

São por esses motivos que é necessário que o negro/a reconheça seu espaço e que faz parte da história do Brasil, principalmente, mulheres negras, como aconteceu com Profa. Rachel Andrade, com sua iniciativa de enfrentar barreiras, principalmente financeiras e o preconceito que perpetua na sociedade, trouxe à tona que há a possibilidade da desconstrução do racismo e da desigualdade racial entre os sujeitos, como a construção de famílias entre negros e brancos, além da reestruturação dos setores sociais, não sendo à toa que uma mulher negra egressa da Escola Normal, conseguiu uma trajetória ímpar com grande contribuição à educação. Aliás, não foi à toa, foi proveniente de muito esforço e muita luta, evidenciando assim, o chamado enegrecimento do feminismo, conforme Sueli Carneiro (2003) menciona, onde relata sobre a trajetória das mulheres negras que conquistaram lugares de destaque.

E como exemplo, aqui nós vemos a história de Rachel e seu papel como mulher, negra e pobre, que combateu as desigualdades de gênero, classe e, principalmente, de raça, enfatizando a luta antirracista na Escola Normal de Caetité e desmistificando seu local à margem da sociedade e transformando, assim, sua história, demonstrando a força de ser mulher e o prestígio de se tornar uma professora negra do Alto Sertão da Bahia.

5- Rachel não teve a oportunidade de escrever sua própria história, mas sabia a importância de registrar momentos;

Rachel não teve a oportunidade de escrever sua própria história, mas sua vida foi contada através da sua memória divulgada em seu blog e através dos documentos encontrados nesse trabalho, pois ela sabia a importância de registrar momentos. Além disso, deixou seus livros de matrícula, dos inspetores e também folhas de papel de alunos que faleceram. Tinha o cuidado em guardá-los, o carinho por cada objeto que fez parte da sua caminhada de 32 anos de dedicação à educação. Este aspecto só ressalta e confirma que sua memória está e continua viva através dos documentos e intacta por meio dos seus filhos e netos.

6- Rachel não deu fim ao apagamento das mulheres negras na educação. (Outra certeza)

Até porque mesmo diante da oportunidade de estudar, as mulheres negras continuaram à margem da sociedade, tendo que lidar com outras atividades, como o próprio sustento, ao invés de estudar. E um questionamento que eu faço na minha pesquisa é onde estão as professoras negras hoje em dia? E afirmo a importância de contestar sua falta nas escolas, em vista de que, a quantidade de mulheres negras professoras precisa ser ampliada e ter visibilidade.

7- Rachel Pereira de Andrade faleceu em 24 de novembro de 2008, com 92 anos, em Tanque Novo.

Obs: Percebe-se que sua história de vida permanece viva e torna-se uma via de reflexão sobre o papel que as mulheres negras desempenham na sociedade e o quanto sua presença é necessária em cenários como este que Rachel viveu, patriarcal e repleto de preconceitos, principalmente, ligados à questão racial.

Obs.: Para quem se interessar conhecer o trabalho completo, aqui está o link:

https://drive.google.com/file/d/1duGF9CthgSXoJB_zv61izk1RZKpBzLkC/view