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26 de dez. de 2010

OS EDUCADORES






Da direita para a esquerda: Isnar, Shirley e Tunico.

Obs.: Shirley é neta de Raquel Pereira Carneiro (filha de Eloísa e Miguel).

Esta foto foi tirada em Belo Horizonte, no ano de 2006, quando Shirley era estudante de Odontologia.


Esta página é dedicada a dois educadores tanque-novenses, que se destacaram e ainda atuam na Grande BH (Belo Horizonte, Minas Gerais). Ambos fizeram o curso fundamental (antigo curso primário) com a Professora Raquel: Isnar Marcil Carneiro e Teotônio Marques Filho (Tunico).


Eles são primos entre si e bisnetos de Juvêncio Alves Carneiro, um dos fundadores de Tanque Novo. A mãe de Isnar, Celina Carneiro era filha de Antônio Alves Carneiro; e a mãe de Tunico, Deolinda Carneiro era filha de Joaquim Alves Carneiro. Seus pais, Moisés Marques Silva e Teotônio Marques Silva eram irmãos.


Veja a autobiografia do professor Isnar Marcil Carneiro:


Um Pouco de Mim Mesmo
Isnar Marcil Carneiro

Sou do interior da Bahia, região da Chapada Diamantina. Sempre ligado à família numerosa e às chuvas, escassas naquela parte do Brasil. A ligação à família, às chuvas, às vacas, às cabras, aos peixes e às abelhas marcaram a minha infância e o resto da minha vida.
A professora primária, Raquel Pereira, com sua sabedoria, simplicidade e dedicação, conseguiu aprofundar estas marcas e, praticamente, indicar o rumo a seguir. Este rumo, não tenho dúvida, foi traçado por Moisés, Celina, Raquel, Tamboril e Tanque Novo.
Fui levado para o Seminário quando tinha quinze anos, e, com vinte e dois, ganhei uma bolsa para estudar Filosofia nos Estados Unidos. Lá fiquei durante oito anos, numa das áreas mais desenvolvidas do mundo. Marcou ainda mais a minha vida. Tudo muito diferente de “Tanque Novo” na Bahia. Terminei o curso de Filosofia numa Universidade dirigida pelos franciscanos e o curso de teologia, também dirigido por eles. Saí do Seminário e fui fazer um curso para mestrado numa universidade católica de New Jersey. Terminado, voltei para o Brasil e meus pais e irmãos haviam se mudado para Betim. Para cá eu vim e comecei o processo de revalidação dos meus cursos, quase que mais difícil que a conquista dos mesmos.
Fundei a primeira escola de inglês de Betim, Centro Cultural que se tornou famoso na época, tornando-me conhecido na cidade como o professor que usava música, teatro e filme na sala de aula, como professor de inglês no ICBEU e de ensino religioso para o curso de magistério do Colégio Estadual. Tornei-me conhecido ainda pelas lutas em favor do meio ambiente e pela participação nos movimentos de esquerda junto com os padres franciscanos e o grupo que iniciou o Partido dos Trabalhadores na cidade.
Em 1993, com a vitória da professora Maria do Carmo Lara, após quase vinte anos de luta, dediquei, de corpo e alma, à Secretaria Municipal de Educação e iniciei, junto com um grupo de excluídos sociais, a oficina Escola Rosalino Felipe. Acolhemos centenas de jovens em situação de risco e reformamos e fabricamos mais de noventa mil peças de móveis escolares. Usamos um sistema moderno de gerenciamento, associado aos princípios do amor e da paz, como meio para re-socializarmos os jovens em situação de risco. A oficina ficou conhecida nacionalmente e recebeu diversos prêmios sendo reconhecida pela Fundação Getúlio Vargas, pela Fundação Abrinq e pelo Programa “Ação e Cidadania Contra a Fome e a Miséria”, do Betinho, como um dos melhores projetos brasileiros em favor dos marginalizados. Além dos benefícios sociais com suas oficinas de música, informática, solda, marcenaria, alvenaria e culinária, ela economizou cerca de dois milhões de reais para os cofres públicos. O povo tem demandado mais Oficinas Escolas em cada bairro de Betim, através do orçamento participativo e os políticos prometem assim fazer.
Em trinta e um de dezembro de dois mil, entregamos o governo municipal ao Carlaile e seus apoiadores do PSDB.
Nos períodos dos governos Maria do Carmo e Jesus Lima, trabalhei em parceria com o Programa de Alfabetização de Adultos, a Bolsa Escola, o Centro de Apoio aos portadores de deficiências auditivas e visuais, a Escola de Paise, a Escola Democrática. A minha participação, em 1995, na segunda missão aos Estados Unidos promovida pela Fundação Christiano Ottoni e Ministério da Ciência e Tecnologia, para um curso de vinte e dois dias na Universidade da Pennsylvania sobre Qualidade na Educação, marcaram ainda mais a minha vida.
Fui instrutor de inglês para a diretoria da Ritz Chance do Brasil durante onze anos, (de 1983 a 1994), com quatro aulas por semana. Mudamos muitos dos nossos paradigmas, nesta época, já que as nossas ideologias eram completamente diferentes.
De 2000 a 2005, dei aulas de Filosofia na UNICOR, Universidade de Três Corações, para os cursos de Enfermagem, Nutrição, Educação Física e Normal Superior. Foi uma experiência indescritível. O que mais me marcou foi a amizade que fiz com os alunos. Em 2006-07, fui professor, também de Filosofia, para as turmas de Direito do Instituto Superior J.Andrade.
Em 2009, com a vitória da Maria do Carmo para Prefeita de Betim, retornei para a Oficina Escola como Diretor e assessor do Secretário de Educação.
Nestes dois anos, 2009 e 2010, na Oficina Escola, acolhemos mais de 300 jovens em situação de risco, fabricamos quase 25 mil móveis escolares e centenas de brinquedos pedagógicos, juntamos sucata de computadores e as aproveitamos nas aulas de manutenção e montagem e depois doamos as máquinas prontas para os alunos carentes. Algumas de nossas Oficinas foram levadas até os idosos nos asilos da cidade. Conseguimos padrinhos e madrinhas para 65 meninos e meninas carentes. No dia da conclusão do curso Manutenção e Montagem, entregamos 25 computadores e, no almoço, oferecido aos padrinhos e apadrinhados, a nossa banda sinfônica e o nosso coral, compostos pelos meninos e meninas, pelos nossos marceneiros e serralheiros e outros instrutores, brilharam. Foram aplaudidos longamente e divulgados em páginas inteiras pela imprensa.
Sempre tive consciência do pouco que sabia e do quanto ainda tinha que aprender. Por isso, participei de centenas de cursos, congressos, seminários e palestras, e, quanto mais o fiz, mais percebi esta verdade.
Proferi dezenas de palestras em diversos setores sobre as colunas que sustentam as instituições e as que sustentam os seres humanos e sobre o sucesso, a leveza e a inteligência emocional. As avaliações, muito positivas, me estimularam ainda mais e foram, para mim, uma grande oportunidade de aprendizagem.


Veja a autobiografia do professor Teotônio Marques Filho:


Agonia e Êxtase
Teotônio Marques Filho

Vim ao mundo em 1947, época em que Tanque Novo era bem diferente do de hoje: um Tanque Novo bucólico, sem luz elétrica nem asfalto, de terra batida e matagal na praça, onde o gado pastava e lambia sal à noite, nas calçadas. Um Tanque Novo de céu salpicado de estrelas, ofuscadas somente pelo brilho da lua cheia... Um Tanque Novo de fogueiras de São João, com foguetórios, busca-pés e bombõezinhos que faziam latas subir pelos ares... Um Tanque Novo de novenas e leilões que culminavam com a festa da Padroeira no mês de maio...
Se não há dúvida quanto à minha origem tanque-novense, existe alguma confusão com relação à data do meu nascimento. Conforme minha mãe, sou de 21 de janeiro, mas o que consta na certidão é 5 de maio, o que me confere dois aniversários (portanto, já estou próximo dos 130 anos...).
Só tomei conhecimento desse fato muito tempo depois (nos anos 60, já com quase 15 anos ou 30...), quando fui estudar em Caetité para fazer o curso de admissão no Instituto de Educação Anísio Teixeira (IEAT). Acabei indo para o Seminário São José (onde já estudava o meu primo Isnar, que, literalmente, me aliciou para o sacerdócio). Nem ele nem eu viramos padre... Quer dizer viramos: tornamo-nos educadores.
Foi nessa época também que descobri que meu nome era Teotônio (e não Tunico, como todos me chamavam). Teotônio, em Tanque Novo, era meu pai (Teotônio Marques da Silva), que encarava, destemido, bandos de ciganos e chegou a passar um corretivo no Trem-de-Risco (acho que do bando de Lampião, que se escafedeu de Tanque Novo para sempre...). Um cabo-duro arretado, pai de muitos filhos, que desafiava a sudegada udenista tanque-novense (entre eles o saudoso tio Moisés, genitor do primo Isnar...).
No início da minha escolaridade, eu não conseguia aprender a ler. Um cavalão já bem grandinho e empacado... Uma vergonha! Tia Raquel e tio Doutor (que a ajudava a tomar a lição da meninada) tiveram que ter muita paciência comigo. Até que um dia, como que por encanto, comecei a ler tudo que me caía nas mãos: Lili, Lalau, Lobo-Bom, Pascoalzinho... Começava aí minha intensa convivência com os livros.
Foi por insistência da tia Raquel (e também da professora Idalina, que a substituiu durante algum tempo) que prossegui nos estudos (meu pai achava que a escolinha da tia Afessora tava de bom tamanho). Sempre muito tímido, lembro-me que chorei um dia inteiro no dia de partir para a distante Caetité... Era de partir o coração: eu com aqueles soluços pungentes, grudado na barra da saia de minha mãe, sem querer partir...
Depois, fui desaparecendo, mineiramente, de Tanque Novo (e aqui entra outro aliciador na minha vida: meu irmão Florivaldo – o Fulor –, um dos mais brilhantes alunos do IEAT, que já tinha feito contatos para estudar em Belo Horizonte). Em janeiro de 1966, vim com ele para a capital mineira, onde fiz o curso clássico (segundo grau) e faculdade de letras na UFMG, com habilitação em português e literatura (brasileira e portuguesa). Fulor acabou desistindo, e eu prossegui sozinho o meu caminho. Depois, vieram o primo Ilvete (que desistiu), o primo Célio, o meu irmão Milton...
(E os amores tanque-novenses, caetiteenses, não os há? Suspiros ao anoitecer, espreitados pela lua cheia, encapados pela timidez e pela batina negra de seminarista...)
Em Belo Horizonte, de onde jamais me mudei, desenvolvi toda a minha carreira como professor de língua e literatura e, mais tarde, como revisor e elaborador de textos, em diversas instituições de BH (inclusive na Assembleia Legislativa de Minas), conforme consta no currículo anexo.
Elaborei muito material didático, em especial para cursos pré-vestibulares. Acho que escrevi mais de 50 livros... Elaborei muitos discursos também (uns 200 a 300) para deputados e outros, quando trabalhei na Assembleia e num centro universitário de Belo Horizonte – o Uni-BH.
Apesar da minha timidez (ou talvez por isso), sempre fui muito dedicado e esforçado em tudo o que fiz e, com a ajuda de Deus, obtive algum sucesso profissional. Uma característica marcante na minha vida: não desistir diante dos obstáculos e fazer tudo com determinação, com vibração, com entusiasmo, com alma. Muitas vezes, com choro, superando minhas limitações. Uma lenta agonia que sempre redundou em êxtase. Agonia e êxtase – eis a síntese da minha trajetória profissional e existencial!
Bem na linha do sentido próprio da educação (educar vem do latim “ex + ducere”, que significa “puxar para fora”), sempre tentei contagiar os alunos nas minhas aulas e palestras, procurando entusiasmá-los sobre a matéria lecionada. Sempre procurava dar o fio da miada, ensinar a pescar. (É triste ficar dando o peixe a vida toda, não? Sem dúvida, a Bolsa Família se reveste de muita importância, mas só devia valer para uma fase inicial. Bem que poderia ter ficado Bolsa Escola, com um sentido educacional, como foi idealizada pela dona Ruth Cardoso).
Hoje, já aposentado, continuo trabalhando como “free-lancer” e procuro ajudar, na minha área de atuação, as pessoas que me procuram. Mas não perdi minha velha mania de professor: ensinar a pescar para que cada um tenha a oportunidade de crescer por conta própria e fisgar o seu peixe. Nada de ficar acomodado, à espera de milagres. Deus só faz milagres quando colaboramos com Ele...
Estou radicado há quase meio século em Belo Horizonte, onde constituí família: sou casado com Rosângela (uma morena cor de jambo, quase cana-caiana...) e temos três filhos, já adultos (Rodrigo, Daniel e Diana). Assim, hoje, sou quase mineiro, mesmo porque sempre tive uma natureza meio arredia, reservada – característica típica da gente das Alterosas. Contudo, nunca esqueci minha terrinha – meu torrão natal, minhas raízes. Confesso que, ainda que um pouco desligado do meu torrão natal, tenho um carinho enorme por Tanque Novo, que vive nas minhas entranhas.
(E os amores mineiros de belos horizontes? Com certeza, vão muito além dos umbrais da cor de jambo, quase cana-caiana... Uma busca incessante, na direção do azul infindo das dimensões etéreas...).
Hoje, mais de meio século depois, fecho os olhos e vejo pelo retrovisor do tempo: Tanque Novo de águas limpas (cristalinas), meu pai, minha mãe, meus irmãos, primos, tios... Vejo, sobretudo, uma professora pequenininha (ela, sim, uma autêntica educadora), em meio a meninos e meninas de todos os tamanhos. Uma pérola negra que jaz no fundo das águas do coração. Uma pessoa que tem a cara de “Irene no Céu”, do poeta Manuel Bandeira:
Irene preta,
Irene boa,
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
- Licença, meu branco.
E São Pedro bonachão:
- Pode entrar, Irene, você não precisa pedir licença...


Clique no link abaixo, e veja o currículo do professor Teotônio Marques Filho:


Neste blog, há dois textos produzidos pelo professor Teotônio Marques Filho (Tunico):


_ À Tia Raquel, Sempre



P/S: Aproveitando o espaço, lembramos que colocamos no final da página Escola Normal de Caetité, alguns links sobre Anísio Teixeira, um dos maiores educadores do Brasil, que nasceu em Caetité , Bahia, cidade onde estudaram, também, Isnar Marcil Carneiro e Teotônio Marques Filho. Anísio Teixeira foi o idealizador da Escola Parque, em Salvador, Bahia, que serviu de modelo para os atuais CIECs, CIAPs e CEUs. Veja duas de suas frases sobre Educação:

" Educar é crescer. E crescer é viver. Educação é assim, vida no sentido mais autêntico da palavra."

"Corajoso, puro, humilde e fiel. Eis as grandes qualidades do mestre, as que o farão verdadeiro educador."

Veja, também, biografias sobre alguns ex-professores da Escola Normal:




21 de nov. de 2010

CENTENÁRIO DE TIA MARIA













Maria da Conceição Carneiro é filha do segundo casamento de Juvêncio Alves Carneiro com Ana Bela Carneiro (Bilinha). Portanto, é irmã, por parte de pai, do nosso avô paterno Joaquim Alves Carneiro. É viúva de João Magalhães Cardoso.
(Clique nas imagens para ampliá-las)




As Primaveras de Maria
Geane Oliveira Magalhães Azevedo*_ neta de tia Maria

Imaginemos uma travessia pelas águas que corriam na “Vereda”...
Era primavera de 1910, na Fazenda Alecrim. Imbuzeiros se penduravam em flor. Cajazeiras abrigavam o gado do sol forte. Palmas começavam a madurar os frutos. Enquanto as flores do sertão se abriam para abraçar a chegada de uma criança, pássaros anunciavam a cantoria de Antônio, Joaquim, Arquimimo, Francisca, Zezinho, Zeca, Ana Flora, Maria, João, Umbelino, Arlinda e Belarmino que estavam a alegrar a casa de Juvêncio e Ana Bela, com a doce cantiga:
Alecrim, alecrim dourado
Que nasceu no campo
Sem ser semeado...
De repente, a cantoria parou, e da porta da casa, Juvêncio anunciou: “É uma menina! É Maria!” Mas, Ana Bela complementou: “É Maria da Conceição Carneiro”. Os pais de Maria louvaram-na com este nome por certo, serem devotos de Nossa Senhora da Conceição.
Maria crescia em fortaleza e doçura. Era uma menina que aprendia com a mãe a ganhar força para a lida da casa: alvejar, cozinhar, peneirar, pilar, tecer, amar... Ela cuidava com muita ternura do seu irmão mais novo, o Prudenciano.
Com o tempo, o pai de Maria, Juvêncio Alves Carneiro, homem que fez nascer um povoado, uma capela, uma feira, uma cidade: Tanque Novo, na sua velhice precisou partir.
E a família continuou a crescer. A sua mãe, Ana Bela, casou-se novamente, e deu a Maria mais irmãos: Venício, Dalila e Celcina. Maria testemunhava cada nascimento, e cheia de graça, agradecia a Deus. Logo pensava: “Hei de estar sempre com eles.”
Enquanto isso, a menina aprendia em casa, a desatar o alfabeto e a experimentar o mundo da leitura, com um professor particular. Mas, a menina surpreendia a todos nos afazeres da casa, na lição do alfabeto e no poder de montaria.
A menina que já era moça, com seus encantos, conquistou um jovem, filho de Coronel. Era o João de sobrenome Cardoso, que morava em Mocambo dos Cardoso. Ao conhecer Maria, ele percebeu que a felicidade era para todo o sempre. E a união dos jovens foi na décima sexta primavera de Maria.
Com o passar das estações, eles construíram seu lar na Fazenda Alecrim. E, nas tardes, debruçada na janela, Maria contemplava o horizonte e assuntava o tempo. Conversava com os anjos do Senhor, através das orações que brotavam da alma. Ela pedia, com a certeza de ser atendida, pois, desejava uma criança. Então, o Senhor anunciou a chegada de um menino que já havia nascido e que perdera a mãe. João e Maria adotaram o menino, João Ledo, ensinando-lhe as leis da natureza, o respeito pelos milagres e o desvelo pelas coisas do céu. Depois desse filho, Maria conseguiu gerar no seu ventre: Osvaldo, Juvêncio, Aparecida, Ana, José, Leônidas, Olver, Maria e Zenaide. Logo, pai, mãe e filhos se amavam. O carinho dos olhares macios era o bastante para deixar os corações em comunhão.
A dor e a saudade não moravam na casa de Maria, até a ida de Joãozinho para São Paulo, sem volta e sem notícias. A família sofria em silêncio, mas, vencia a tempestade.
Outra surpresa viria aumentar a dor da família com a partida de João Cardoso. Logo depois, Maria percebeu que, aos poucos, o mundo foi perdendo as cores. Seus olhos não alcançavam mais as margens, sem a ajuda dos ouvidos, dos dedos e do coração.
Maria enfrentava o seu destino, ignorava o medo das tempestades; sabia que venceria essas passagens com a ajuda do Nosso Senhor. Desse modo, Maria aprendeu a ver com os ouvidos e, nas pontas dos dedos, foi escrevendo a sua história, na longa linha do tempo.
Ela não deixava de embalar a imaginação dos netos com as histórias orais, narradas pelos seus antepassados. Lembrava das fogueiras, na noite de São João, das novenas marianas, dos leilões, da cavalhada, dos Caretas, da Jaquelina, da tirada de argolinhas... Tudo isso é inesquecível para Maria que conta até hoje, sem perder o ritmo das palavras e, a cada conto, uma lembrança, uma emoção.
Hoje, pássaros e flores anunciam a primavera de 2010. E, com muita alegria, filhos, filhas, genros, noras, netos, netas, bisnetos, bisnetas, irmã, amigos e amigas vêm testemunhar as cem primaveras de Maria. Agora, só nos resta saudá-la com palmas calorosas, dizendo num só coro:
_ Viva os cem anos de Maria!

*GEANE OLIVEIRA MAGALHÃES AZEVEDO nasceu em Tanque Novo/BA, filha de Juvêncio Carneiro de Magalhães e Judith Oliveira Magalhães. Licenciou-se em Letras pela Universidade do Estado da Bahia – UNEB. É especialista em Literatura e Ensino de Literatura e em Leitura e Literatura Infanto-Juvenil pela UESB. E também em Plantas Ornamentais e Paisagismo pela Universidade Federal de Lavras – UFLA. Ministrou aulas no curso de pós-graduação, participou como Membro da Banca de Trabalhos Finais e como orientadora de Trabalhos Finais do Curso: Leitura (UESB). Ganhadora do I Prêmio Zélia Gattai Amado de Projetos de Leitura (1º lugar/categoria estadual) e II Prêmio Zélia Gattai Amado de Projetos de Leitura (2º lugar/categoria estadual). Presta consultoria em Leitura e Literatura às escolas pública e particular. Atualmente, além de ser contadora de histórias, exerce a profissão de paisagista e designer de interiores. Reside em Vitória da Conquista - Bahia.

Tia Maria:
Esse seu aniversário de cem anos é muito especial para nós tanque-novenses, porque, a senhora é a única remanescente dos filhos dos fundadores de Tanque Novo: Capitão Juvêncio Alves Carneiro e Capitão Prudenciano Alves Carneiro. É filha do primeiro e tem, ainda, o privilégio de ser neta do segundo.
Seu nome lembra o nome da mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo. Tal qual, é uma mulher guerreira, heroína, humilde, vitoriosa e de singular nobreza; destacando-se pela sua devoção ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria. É mãe, avó e bisavó dedicada, além de ser uma cordial amiga.
Pedimos a Deus que continue derramando suas bênçãos e graças sobre a vida da senhora, dando-lhe saúde e paz. Pois, como disse Santo Agostinho, “mesmo que já tenha feito uma longa caminhada, há sempre um caminho a percorrer.”
Citando, também, Albert Einstein, “há duas maneiras de viver a vida: uma como se nada fosse milagre; e a outra, como se tudo fosse um milagre.” Portanto, seu centenário de vida representa um grande marco para a história de nossa cidade.
Parabéns e muitas felicidades! São os sinceros votos dos filhos e familiares de Arlindo Alves Carneiro e Raquel Pereira Carneiro.

A letra da música, a seguir, tem muito a ver com a história da tia Maria. É uma música antiga que já foi gravada por vários cantores. Uma das últimas regravações foi feita por Daniel:

                                        Meu Reino Encantado
                                                        Valdemar Reis/Vicente P. Machado

                                       Eu nasci num recanto feliz,

Bem distante da povoação.
Foi ali, que eu vivi muitos anos
Com papai,mamãe e os irmãos.
Nossa casa era uma casa grande,
Na encosta de um espigão.
Um cercado pra guardar os bezerros,
E, ao lado, um grande mangueirão.

No quintal, tinha um forno de lenha

E um pomar onde as aves cantavam;
Um coberto pra guardar o pilão
E a traia que papai usava.
De manhã, eu ia, no paiol,
Uma espiga de milho eu pegava.
Debulhava e jogava no chão;
Num instante as galinhas juntavam.

Nosso carro de boi conservado,

Quatro juntas de bois de primeira,
Quatro cangas, 16 canzis
Encostados no pé da figueira.
Todo sábado, eu ia na vila,
Fazer compra pra semana inteira.
O papai ia gritando com os bois,
E eu, na frente, abrindo as porteiras.

Nosso sítio que era pequeno,

Pelas grandes fazendas, cercado.
Precisamos vender a propriedade
Para um grande criador de gado.
E partimos pra cidade grande;
A saudade partiu do meu lado.
A lavoura virou colonião,
E acabou-se meu reino encantado.

Hoje, ali, só existem três coisas

Que o tempo ainda não deu fim:
A tapera velha desabada;
E a figueira acenando pra mim;
E por último, marcou saudade
De um tempo bom que já se foi;
Esquecido em baixo da figueira,
Nosso velho carro de boi.


Exceto a parte que diz: "Nosso sítio que era pequeno... Precisamos vender..." Pelo contrário, o pai de tia Maria, Juvêncio Alves Carneiro era dono de muitas terras. Outro detalhe: ela não foi embora para São Paulo; todavia, seu filho adotivo, Joãozinho foi e ficou mais de cinquenta anos sem dar notícias. Veja, acima, um recorte do jornal que fala sobre o reencontro dos dois ocorrido em 2007. Clique na figura para ampliá-la.

Tia Maria:

Cem anos de vida são dádivas divinas!


30 de out. de 2010

CORDEL PARA RAQUEL









Contra-capa e capa do Cordel - dê um clique para ampliação!

A primeira foto da contra-capa é de 1965.
O menino que aparece ao lado da professora, é o seu filho Aparecido. Estava com cinco anos de idade, calça curta de suspensório, sem camisa, descalço, e com as pernas cinzentas de tanto brincar na areia.
Todos os outros estão identificados na página "Última turma lecionada pela professora Raquel".

A outra foto da contra-capa é da Praça da Igreja de Tanque Novo, no início da década de 1960.

Na capa, duas fotos: a primeira é da formatura, quando Raquel tinha dezesseis anos incompletos; e a segunda, aos dezoito anos, quando a mesma tirava seus documentos pessoais.


Este cordel, baseado na biografia da professora Raquel Pereira Carneiro, foi apresentado na abertura da 12ª Feira de Educação, Arte e Cultura do IEAT (Instituto de Educação Anísio Teixeira), em Caetité- Bahia, no dia 29/10/2010. Estiveram presentes, dois filhos de D. Raquel: Aparecido e Eloísa. Eles teceram alguns comentários sobre sua mãe e agradeceram por esta homenagem, aliás, a segunda dedicada a Raquel Pereira Carneiro, em Caetité, após sua morte. A primeira foi um trabalho realizado na faculdade da UNEB, em 2009. Veja, em arquivos do blog - novembro/2009, o tema e o vídeo exibidos. Uma honra muito grande para os descendentes dessa saudosa professora.
Segundo Aurélio (dicionarista), literatura de cordel é um romanceiro popular nordestino, em grande parte contido em folhetos pobremente impressos e expostos à venda, pendurados em cordel, nas feiras de mercados; daí a origem do nome.
O cordel é composto por 22 setilhas, ou seja, 22 estrofes com sete versos cada uma.
Confira:


Raquel Professorinha


I

Olá, classe estudantil!


É com muita satisfação,


Aproveito a oportunidade,


Para esta apresentação.


Vou falar de uma pessoa:


Raquel Professorinha,


Marco da educação.



II


Raquel Pereira de Andrade


Nasceu na fazenda Pintada.


Todos que a conheceram,


Sabem que era muito educada.


Passou a morar em Caetité,


Com sua tia Silvéria Maria Fagundes;


Aos quatro anos foi adotada.

III


Sobre sua história,


Eu ainda vou contar aqui.


Filha de Renato Pereira de Andrade


E Leonor Fagundes Cotrim.


Morava perto da Vila Gentio,


Hoje Ceraíma,


Município de Guanambi.


IV


Menina muito ativa,


Inteligente e dedicada,


Um ano antes de se formar,


Para um estágio, foi convocada.


Na comunidade de Juazeiro, cidade de Caetité,


Na residência do Sr. Antônio Tintino,


Por dois meses ficou hospedada.


V


Raquel Professorinha,


Como era conhecida,


Ao saber da educação,


Dedicou sua vida.


Sendo nomeada pelo Estado,


Para trabalhar em Tanque Novo,


Onde foi muito querida.


VI


Dois guarda-fios de Caetité,


E por sua tia Silvéria, foi acompanhada.


Chegando a Tanque Novo,


Ela foi bem tratada.


Logo nos primeiros dias,


Na casa do Sr Teotônio Marques da Silva,


Com imenso carinho, foi recepcionada.


VII


A primeira sala de aula,


Foi cedida por Dãozinho.


Matricularam trinta alunos,


Que pareciam seus irmãozinhos.


Na faixa etária de sete aos dezesseis anos.


No recreio, estava disposta a brincar,


Pois, eram todos novinhos.


VIII


Apesar de sua pouca idade,


Sabia como agir.


Aqueles que se rebelavam,


Estava disposta a punir.


Colocava-os de castigo;


Pois, tinha maturidade e coragem,


E uma missão a cumprir.


IX


O tempo passou.


Alunos do primeiro ao quinto ano,


Na mesma sala, foram integrados.


As matérias básicas eram por todos, estudadas.


Gramática, Aritmética,


História, Geografia e Ciências;


Ensinava também, artesanato e bordado.


X

Visitas periódicas de inspetores escolares,


Eram feitas nessa ocasião.


Chegavam de repente, sem qualquer aviso prévio,


Para, do ensino fazer, uma avaliação.


Ela não se preocupava,


Pois, contava com excelentes alunos;


Os quais, zelava com emoção.


XI


Raquel Pereira costumava passar suas férias,


Até mesmo os feriados,


Em Igaporã, antigo Bonito.


Ou melhor, um povoado.


No dia 7 de setembro de 1935,


Para morar com ela e sua tia Silvéria,


Seus primos foram convidados.


XII


Justiniano Pereira de Sousa


Atendeu o solicitado.


Tinha apenas quatro anos;


Foi criado e educado


Pela professora Raquel e tia Silvéria;


Que lhe deram muito carinho,


E pelas duas foi muito amado.


XIII

Alguns anos depois,


Em 1943, essa professora se casou


Com Arlindo Alves Carneiro;


Era comerciante e agricultor.


Dava-lhe apoio na escola.


Raquel Pereira Carneiro,


Assim a chamou.


XIV

Desse casamento, nasceram oito filhos:


As flores do jardim.


Sendo seis vivos;


Os outros dois tiveram fim.


Que com poucos meses de vida,


Vieram a falecer.


Os chamados: Zélia e Joaquim.


XV


Além de ser professora,


O catecismo ensinava.


Sobre os hinos religiosos,


A mocidade estava informada.


Na coroação de Nossa Senhora,


Seus alunos


Eram orientados.


XVI

Com o leilão da primeira noite de novena,


Em louvor ao Coração de Maria,


Por ser de boa índole,


Ela contribuía.


Costurar roupas, bordar enxovais de noivas,


Tocar bandolim e realizar trabalhos domésticos,


Nada em troca queria.


XVII


Por sua imensa capacidade,


De muitos momentos solenes participou.


O Posto dos Correios e a feira livre,


Foi ela quem os criou.


Com a ajuda do seu marido Arlindo,


Que escolheu terça-feira,


O dia em que a feira de Tanque Novo realizou.


XVIII


Foram 32 anos de magistério,


Porém, com saldo positivo.


Além da confiança,


Conquistou muitos amigos.


Pois, todos se tornaram pessoas importantes.


E agradeciam-na


Pelo sucesso garantido.


XIX


Sempre foi grata aos professores,


O futuro da nação.


Também, a algumas pessoas de Caetité,


Que colaboraram com sua educação.


Lugar de muitas riquezas,


Terra de Anísio Teixeira,


Berço da educação.


XX


Minha bela Caetité,


Princesinha do Sertão,


É um exemplo a toda nação.


Por ti bate forte o meu coração.


Fonte de muitos mistérios,


Salve o magistério,


A base de uma bela educação!


XXI

Caetité é o meu município,


Vargem do Anguá é o meu lugar.


Os professores são nossos amigos;


Sempre estão a nos ensinar.


Estou morando em Caetité,


Fazendo Normal Médio,


Para, em uma educadora, me transformar.


XXII


Termino este cordel, parabenizando o IEAT


Pelos alunos competentes.


A qualidade da educação


É muito surpreendente.


Inspirem-se em Raquel Professorinha;


Valorizem o magistério,


Os que virão futuramente.



Autoria de Ionali Almeida Silva


Aluna do 3º Normal Médio B



Clique, abaixo, e veja texto e poesias sobre a Escola Normal de Caetité e, também, alguns links sobre Anísio Teixeira:

Escola Normal de Caetité