Arlindo
Alves Carneiro nasceu no dia 31 de julho de 1915 e faleceu no dia 29 de março
de 1995. Portanto, se estivesse vivo, teria completado cem anos no dia 31 de
julho, próximo passado.
Uma
vez, ele disse: “Todo dia é Dia dos Pais, e todo dia, também, é Dia das Mães.
Nós queremos, apenas, respeito e consideração”.
Por
isso, em respeito e consideração à sua memória, aqui vai nossa homenagem:
Logo
após seu nascimento, foi apelidado de “Doutor”, por sua avó materna. Não estudou
em colégio (teve aulas particulares, referentes ao curso primário), “não cursou
nenhuma faculdade, mas, na vida, ele foi doutor”! Como dizia o saudoso Antônio
Marcos, na música “O Homem de Nazaré”. Foi doutor, sim, pois, tratava muita
gente, fazendo curativos, aplicando injeções e prescrevendo, acertadamente,
“receitas”, por mais de quarenta anos, através de sua farmácia popular. (Dureza
era acordar à meia-noite ou de madrugada, para vender comprimido fiado).
Realizou duas ou três curas de pacientes desenganados pelos médicos. Não se
gabava desses feitos, nem permitia que divulgássemos sobre esses episódios. Ele
dizia: “O importante é a pessoa (que deseja ser curada) ter fé”. Jesus Cristo,
ao realizar um milagre, afirmava: “Vai, tua fé te curou”!
Arlindo
ajudava sua esposa Raquel (primeira professora de Tanque Novo) a tomar as
lições dos meninos, ameaçando-os com uma régua de madeira. (Nessa época, era
permitido o uso da palmatória). Ralhava, mas, não batia. Quando batia papo,
tinha a voz mansa, educada. Porém, na hora de reclamar, fazia qualquer um
tremer de medo.
Numa
placa de bronze (homenagem de José Aleir Silva Magalhães, advogado), há os
seguintes dizeres sobre nossa casa, em Tanque Novo: “Ouso afixar esta placa
nesta casa, onde, por anos e mais anos, sob o mister de Seu Arlindo e de Dona
Raquel, também serviu como hospital e escola; ora aliviando dores e prolongando
vidas, ora cuidando da educação de vários dos filhos desta terra. Muitos
alcançaram altos voos”...
Foi
ideia de Arlindo, a escolha da terça-feira como dia da feira de Tanque Novo. Já
tentaram mudar para o sábado, mas, não deu certo. É um dia que estrangula a
semana, contudo, fez a feira de Tanque Novo ficar forte e famosa.
Nas
décadas de 1940 e 1950, era comum o uso de terno. Ele acostumou tanto, que às
vezes, usava a gravata acompanhada de uma blusa de lã, como comprova uma das
fotos, nesta página. Não deixava que a gente fosse ao banco, calçando sandálias
havaianas e usando bermuda: “Veste uma calça, calça um tênis e vai fazer esse
depósito pra mim”! E, prontamente, havia obediência. Hoje, em dia, em muitas
famílias, estão desaparecendo a decência, o respeito e a obediência.
Ele
gostava de ouvir rádio, principalmente, noticiário. Acompanhava até “A Voz do
Brasil”, que começava assim: “Em Brasília, dezenove horas”. Pegava o programa
sertanejo de Zé Bettio, que mandava jogar água em quem estivesse dormindo
depois das oito da manhã. E curtia, também, algumas músicas da MPB, como “Filho
Adotivo” de Sérgio Reis (provavelmente, pela coincidência, na letra da música,
que dizia haver seis filhos naturais e um adotivo). “Disco Voador”, também, de
Sérgio Reis e “Ouro de Tolo” de Raul Seixas, eram escolhidas, talvez, pelo tema
sobre seres extraterrestres. Na música de Sérgio Reis, diz assim: “Tomara que seja
verdade que exista, mesmo,disco voador. Que seja um povo inteligente, que traga
pra gente, a paz e o amor”. E, no
sucesso de Raul Seixas, terminando com essa frase: “Porque, longe das cercas
embandeiradas que separam quintais, no cume calmo do meu olho que vê, assenta a
sombra sonora de um disco voador”.
Jamais
recebera homenagem de políticos. Ele observava, quando alguém era homenageado,
e falava: “O certo é assim: prestar homenagem enquanto a pessoa está viva”.
Mas, para nós, sua lembrança continua viva!
Esta
é uma singela homenagem dos seus filhos: Maria, Raquelinda, Arlindo Filho
(Carneiro), Edilson, Aparecido e Eloísa.
Deleitemo-nos,
agora, com o poema do seu sobrinho Teotônio Marques Filho (Tunico), que mora há
mais de quarenta anos, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ele é PhD em Letras, já
fez resumos de inúmeros livros e elaborou discursos para centenas de parlamentares
mineiros:
Doutor
“Ninguém é o que parece.
Nem Deus”... (Érico Veríssimo)
Magro, carrancudo, cara
de bravo,
que nem Joaquim
Carneiro,
do clã dos Alves
Carneiros do lugar,
com seu eterno pigarro
de tabaco...
(Em meio à fumaça das
baforadas,
memória da infância
moldada
no barro da terra de
Tanque Novo...)
Com a voz gutural, cara
fechada,
ajudava a tomar a lição
de cavalões e cavalinhos,
na escolinha da tia
Raquel...
Com a régua na mão,
amansava os bravos,
no compasso da “ferula
sancta” de outrora...
Pura aparência de
braveza...
No peito, apenas o
coração tenro e terno,
dos alvos carneiros do
lugar.
como dito na sabedoria
popular:
“Quem vê cara, coração
não vê”...
Doutor do vilarejo,
então Furados,
fazia de tudo na
farmacinha da casa-escola.
(Memória do rombo na
perna,
da pescaria na escuridão
da noite,
curado com a água benta
oxigenada
de São Justiniano, filho
adotado...).
Tio Doutor...
Não o doutor de régua e
compasso,
nem de beca e canudo.
Apenas o doutor de
experiência feito,
diplomado no coração da
gente,
em “honoris causa”...
Doutor Arlindo Alves
Carneiro,
o alvo carneiro de
Tanque Novo,
que ousou arrebatar a
Pérola Negra de Caetité,
montado num corcel
branco!
Ecoou, então, malícia
nos ares e nos mares de amares...
Malícia cortada por um
certo coronel Teotônio,
que deu guarida e a
sentença:
_Meu cunhado Arlindo
contrai núpcias com quem lhe apraz.
Memória de tempos idos e
jazidos,
que ficam como jazidas,
nos filhos da boa cepa,
uns doutores de fato,
outros de feitos:
Maria, Carneirinho, Raquelinda,
Edilson, Aparecido e
Eloísa.
Sem propalar netos e
bisnetos...
Na travessia da vida,
a memória dos feitos de
cada um,
com a cara que Deus lhe
deu.
Na imensidão do
horizonte infindo,
como pérola que reluz,
um vulto que acena se
desfaz em luz,
com um leve sorriso no
ar...
(Teotônio Marques Filho,
em fevereiro de 2013)