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21 de dez. de 2008

BIOGRAFIA






Uma História de Vida Dedicada á Educação

Rachel Pereira de Andrade nasceu na Fazenda Pintada, de José Antônio Tanajura, vizinha da Fazenda Cajueiro de Policarpo Ribeiro, no dia 30 de janeiro de 1917, depois mudou-se para a Fazenda Vazante, de seu tio Ciro Pereira de Andrade, perto da vila Gentio, hoje Ceraíma, município de Guanambi-Bahia. Era filha de Renato Pereira de Andrade e Leonor Fagundes Cotrim. Seus avós paternos foram: Manoel Andrade (Rio Branco de Bom Jesus da Lapa) e Raquel Pereira (Guanambi); e seus avós maternos: Manoel Fagundes Cotrim (Caetité) e Serafina Pinheiro de Canguçu (Brumado).
Teve três irmãos: Maria da Conceição Pereira, João Pereira Sobrinho e Geraldo Pereira de Andrade.
Aos quatro anos de idade foi adotada pela sua tia Silvéria Maria de Jesus Fagundes, que era viúva, passando a morar em Caetité.

Na adolescência, conseguiu ingressar na Escola Normal de Caetité, uma das melhores escolas da Bahia, naquela época. E aí, surge a indagação: como Raquel, pobre e negra conseguira estudar naquela renomada instituição de ensino?

Fazendo uma análise, realmente, negros e pobres enfrentavam grandes dificuldades de acesso à antiga Escola Normal e ao sistema educacional como um todo no Brasil, especialmente durante o período imperial e os primeiros anos da República. O acesso à educação era desigual, com a parcela mais rica da população tendo mais oportunidades, enquanto negros e pessoas pobres enfrentavam barreiras como preconceito, leis discriminatórias e falta de recursos. Exceções, apenas, para aqueles ou aquelas mais inteligentes.

Sua tia Silvéria realizava vários trabalhos domésticos: lavava e passava roupa, bordava, costurava, torrava café, fazia crivos, rendas, bolos e doces. Além disso, era parteira e babá. Prestava esses serviços nas casas daqueles mais abastados, recebendo sempre, uma gratificação financeira. E foi o Sr. Durval Públio de Castro, político local, quem percebeu a inteligência de Raquel, que sempre acompanhava sua tia, naqueles afazeres. Ele disse: “Essa menina é muito ativa. Ela precisa estudar na Escola Normal”. E assim, aconteceu. No início, era sua madrinha Maria Moreira da Silveira quem pagava tudo na escola, inclusive, a matrícula. Depois, sua madrinha foi alertada pelo Sr. Batista Neves, sobre a existência de uma associação denominada Caixa Escolar, que recebia verba pública para auxiliar na manutenção e conservação da escola, além de apoiar os alunos de parcos recursos. A partir daí, Raquel recebera ajuda dessa entidade. Porém, o valor não era suficiente para aquisição de livros. Os alunos que não tinham condições de comprar livros, iam estudar nas casas dos colegas ou na biblioteca da Escola. Esta segunda escolha acabava ficando mais complicada, pois nem sempre havia livros suficientes para todos os alunos. Contudo, a melhor solução para os mais carentes era tomar apontamentos. Raquel costumava fazer isso. Mas, também contava com o coleguismo de Agnalda Públio de Castro, filha do Sr. Durval, que não negava o empréstimo de livros e sempre a convidava para ir estudar em sua casa.

É importante ressaltar, que Raquel sofrera discriminação racial na Escola Normal. Ela pensou em abandonar os estudos, mas foi aconselhada pela professora Celina Rodrigues Lima a desistir daquela ideia. Essa professora era a secretária da Caixa Escolar. Além dela, mais duas professoras compunham a equipe: Dulce da Silva Araújo como tesoureira e Beatriz Rodrigues Lima Hoffmann (diretora da escola) como presidente da associação.

Nessa fase estudantil, Raquel teve uma vida religiosa muito participativa: integrou o coral da igreja matriz de Caetité e atuou em dois grupos da religião católica: Apostolado do Coração de Jesus e o segundo, Filhas de Maria.

 Um ano antes de se formar, nas férias de 1931, teve um estágio remunerado na comunidade de Juazeiro, município de Caetité, durante dois meses, ficando hospedada na residência do Senhor Antônio Tintino e Dona Teresa.

Formou-se no dia sete de dezembro de 1932, com 16 anos incompletos. Não participou das solenidades da formatura, porque não tinha condições financeiras. Mas, foi escolhida pelos seus colegas, para que fizesse o discurso de despedida da Escola Normal. (A família guarda com carinho e zelo, o rascunho desse discurso).

 Pouco tempo depois, foi nomeada pelo Estado, para trabalhar em Tanque Novo, um povoado que contava apenas 22 casas e uma capela.
Viajou em companhia de sua tia Silvéria e de dois guarda-fios de Caetité: Sr. Estêvão Lopes e Sr. Heteriano, conhecido como Neném Coqueiro. A viagem foi a cavalo e aconteceu no dia 22 de maio de 1933. Chegando a Tanque Novo, teve uma bela recepção pelo Sr. Antônio Alves Carneiro (tio Tõe) e outras famílias, ficando hospedada, nos primeiros dias, na casa do Sr. Teotônio Marques da Silva. Foi bem tratada, inclusive, pelo professor leigo (leigo no bom sentido, porque não tinha formatura), o Sr. José Marques Carneiro (tio Cazuza) que por sinal era capacitado e muito inteligente.
A primeira sala de aula foi cedida pelo Sr. Laudelino José da Silva (Dãozinho), conhecida como República dos Viajantes.
Logo de início, matriculou 30 alunos, na faixa etária de 7 a 16 anos. Devido à sua pouca idade, na hora do recreio tinha disposição para brincar com os meninos e com as meninas. Mas, quando necessário, sabia agir com rigor, punindo e até colocando de castigo aqueles mais rebeldes, demonstrando maturidade e coragem.
Com o passar do tempo, acumulava na mesma sala de aula, alunos do 1º ao 5º ano primário. Era uma classe multisseriada. Além das matérias básicas: Gramática, Aritmética, História, Geografia e Ciências, ensinava também, artesanato e bordado.
Havia, nessa ocasião, visitas periódicas de inspetores escolares, que chegavam de repente, sem qualquer aviso prévio, para avaliação do ensino. Só que a professora não se preocupava, pois contava com excelentes alunos, aptos para responderem a quaisquer perguntas.
Raquel Pereira costumava passar férias ou feriados no povoado de Bonito (atual 
Igaporã), onde residiam vários parentes. Numa dessas viagens, mais precisamente no dia 7 de setembro de 1935, solicitou a seus primos Messias e Maria, um dos seus filhos para ir morar com ela e sua tia Silvéria. Justiniano Pereira de Sousa, que tinha apenas quatro anos de idade, foi quem se dispôs a ir morar com elas. No início, chamava sua prima de “Tia Quezinha”. Depois passou a chamá-la de Dindinha.
Justiniano foi criado e educado com muito amor e carinho pela professora Raquel e sua tia Silvéria.
Alguns anos depois, em 1943, essa professora se casou com ARLINDO ALVES CARNEIRO e o seu nome passou a ser RAQUEL PEREIRA CARNEIRO. Entretanto, mais uma vez, teve que aturar o racismo. Alguns familiares de Arlindo não aceitavam aquele casamento. Porém, tudo foi contornado e aqueles que eram contra o matrimônio, mais tarde se tornaram amigos.

Arlindo Alves Carneiro nasceu em 31 de julho de 1915, e era filho de Joaquim Alves Carneiro (Coronel) e Maria Francisca de Jesus Carneiro (Dona). Seus avós paternos eram: Juvêncio Alves Carneiro e Arlinda Gomes; e seus avós maternos, Prudenciano Alves Carneiro e Gertrudes Francisca de Jesus Marques. É bom destacar que seu avô paterno era irmão do seu avô materno. Juvêncio Alves Carneiro e Prudenciano Alves Carneiro foram os verdadeiros fundadores de Tanque Novo. Foram eles que compraram a fazenda “Furados”, sendo povoada e transformada em vila, pertencente a Macaúbas, depois distrito de Botuporã e, emancipada politicamente em 1985, permanecendo com o nome de Tanque Novo. Seu avô materno (Prudenciano) foi quem construiu a primeira capela, tendo como ajudante sua esposa Gertrudes. Esse casal, também, doou o terreno para a construção da primeira praça; conhecida, hoje, como Praça da Matriz.
Seu esposo Arlindo era agricultor e comerciante (farmacêutico prático), mas, sempre arrumava algum tempo para lhe dar uma “mãozinha” na escola, tomando a lição dos alunos de 1º ano. Essa tarefa, às vezes, era delegada aos alunos mais adiantados.
Desse casamento nasceram oito filhos, estando seis vivos: Maria, Raquelinda, Arlindo, Edílson, Aparecido e Eloísa. Dois faleceram com poucos meses de vida: Zélia e Joaquim. 
Arlindo e Raquel conviveram por mais de cinquenta anos, com direito à comemoração das bodas de ouro, em 1993. Ela ficou viúva em 1995.

Além de ter sido professora, Raquel ministrava catecismo, ensinava hinos religiosos à mocidade, e como membro atuante do Apostolado do Sagrado Coração de Jesus, acabou sendo secretária do mesmo, cujo presidente era o Sr. Arquimimo Alves Carneiro. Incentivava os festejos da padroeira Coração de Maria, fazia flores artificiais, bordados e arranjos para andores e arrumava as crianças como anjinhos para as procissões. Além disso, apresentava peças teatrais (uma delas, a Cavalhada Mourama, cujo resumo foi extraído de um livro, em parceria com o Sr. Moisés Marques). Orientava, também, suas alunas, na coroação de Nossa Senhora. Foi ela, inclusive, quem trouxe o primeiro cântico para a coroação da imagem da padroeira, conseguindo a cópia do mesmo com suas primas de Bonito (Igaporã). Contribuía, assiduamente, com o leilão da primeira noite de novena, em louvor ao Coração de Maria.
Sabia também, costurar roupas, bordar enxovais de noivas, tocar bandolim e realizar outros trabalhos domésticos.

Ë importante citar seu empreendedorismo: na culinária, ensinou fazer vários tipos de bolos, pães caseiros, doces, cocadas e pirulitos de mel (antes, eram só pirulitos de açúcar). Na arte, deu dicas de costura, bordados, arranjos, enfeites, flores de papel crepom e de tecido. Atuou ativamente, em prol dos primeiros progressos de Tanque Novo, como a criação do Posto de Correios e da feira livre, reivindicações suas, contando com a participação de outras pessoas, inclusive de seu marido Arlindo. Foi ele, inclusive, quem escolheu o dia da semana para a realização da feira: terça-feira, que vigora até hoje. Viu surgir, também, a primeira banda filarmônica, criada pelo seu sobrinho e ex-aluno, Osvaldo Marques da Silva (Vavá Marques), juntamente com outros sócios.

Foram 32 anos cansativos de magistério, porém, com saldo bastante positivo; através de sua formação básica, muitos puderam continuar seus estudos, tornando-se professores e doutores ou funcionários públicos concursados. Nota-se, entretanto, que alguns não puderam prosseguir estudando, mas, sobressaíram como comerciantes ou políticos, tendo apenas o curso primário realizado com a professora Raquel.

Raquel Pereira era calma, serena, educada, gentil e conselheira. Tinha noções de psicologia. E possuía algum grau de mediunidade, também. Através de seus sonhos, acertou várias premonições. E por meio de suas preces e orações, localizou muitos objetos perdidos de terceiros.

 Pelo seu vasto conhecimento nas matérias que lecionava, pela sua teoria musical (sabia ler partitura); pelo seu entendimento básico dos idiomas francês e latim; pelos seus palpites positivos na política e na religião (quando chegou a Tanque Novo, percebeu que só os homens rezavam e cantavam nas celebrações religiosas. As mulheres ficavam caladas, no fundo da igreja. Ela pediu ao padre que houvesse, também, a participação feminina. E sua sugestão foi acatada). Pelo seu empreendedorismo, pelo seu anseio e engajamento por melhorias no vilarejo, pelo seu incentivo à arte, cultura e tradição, podemos afirmar, sem sombra de dúvidas, que era uma pessoa intelectual. 

Ela sempre foi grata aos professores e algumas pessoas de Caetité, que colaboraram com sua educação e instrução. Citava sempre os nomes de D. Manoel Raimundo de Melo (1º bispo de Caetité), Monsenhor Luís Bastos e Dr. Edgar Pitangueira; os professores Alfredo José da Silva, Antônio Meireles, Carmem Spínola Teixeira, Maria Constância Paranhos Cardoso, Dulce Silva Araújo, Aloísio Short, Beatriz Rodrigues Lima, Maria Lobão Neves, Maria Celina Rodrigues Lima, Helena Lima Santos e Belanisa Lima.

Outras pessoas influentes:

Durval Públio de Castro e dona Lia; Estevão Lopes;
Heteriano Pereira de Castro (Neném Coqueiro) e dona Maria Edna (Dina);
Maria Moreira da Silveira (sua madrinha);
Bernardo e dona Emma;
Júlia e sua filha Alzira Viana;
Antônia (Tonica), esposa do Sr. Otávio;
Maria Amélia, esposa do Sr. Virgilino;
Semíramis Azevedo, esposa do Sr. Manoel Fagundes Azevedo, e sua filha Adélia;
Letícia, esposa do Sr. Cazuza;
José Elísio (mestre de música) marido de dona Ciu;
Senhor Otto Koehne e dona Alice;
Senhor César Augusto de Castro e Ianie Silveira; Sr. Francisco Batista Neves e a esposa dona Suzana, pais do Prof. Ieron.

Quando o magistério é exercido com amor e dedicação, o professor ou professora acaba guiando, formando e edificando a inteligência dos indivíduos, sendo um pilar para a nação. Em reconhecimento ao seu esforço, dedicação, carinho e sacrifício, várias homenagens foram prestadas a ela, em vida: nome de prédio escolar, nome de rua, poesias e até uma valsa dedicada pelo seu saudoso afilhado e ex-aluno, Lindouro Marques. Em 2003, os professores de Tanque Novo lhe renderam graças, através de uma missa solene, presidida pelo padre Edson, com direito à placa comemorativa, pela passagem dos setenta anos de magistério, contando com a presença de alguns alunos da primeira matrícula. E, no ano de 2005, no Dia do Professor, foi exibido um DVD sobre sua vida, produzido pela Secretaria Municipal de Educação de Tanque Novo.

A professora Raquel Pereira Carneiro faleceu no dia 24 de novembro de 2008, deixando uma grande lição de vida: humildade e amor ao próximo. Além disso, seu legado é muito rico em educação e cultura.

A maior recompensa do Magistério não é o que pagam por ele; mas aquilo em que ele transforma as pessoas.


Um comentário:

André Koehne disse...

Muito boa a homenagem - e mais do que merecida. Parabéns aos autores, e gostaria também de agradecer a menção aos meus avós - Otto e Alice. Peço, apenas, um pequeno ajuste na grafia do nosso sobrenome, para Koehne - que é como assinamos.

É muito bom vermos o reconhecimento às antigas mestras, em especial assegurando o registro histórico de seu trabalho para tornar o mundo um lugar menos hostil e, porque não dizer, ignorante - porque pessoas como a professora Rachel acendeu um facho de luz no caminho de muitos, iluminando mentes, libertando das trevas.

Novamente, meus parabéns.